quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Ilusões aleatórias #5. Medos, exemplos e professores.

Quem aí lembra das Ilusões aleatórias? Comecei esses posts no final de 2013, mas não consegui seguir com eles por muito tempo. A última postagem foi em Setembro de 2014.
Só que eu agora sinto falta de um lugar para meus devaneios, por isso resolvi trazer este post de volta, ainda que não seja de forma regulada, afinal seu nome mesmo diz que ele é aleatório!
E o tema da minha reflexão hoje é... "Medos, exemplos e professores".



Eu, assim como vocês, passei 13 anos dentro de escolas. Algumas pessoas passaram até mais tempo, levando-se em conta que ficaram em creches desde bebês. Eu não. Fui para a escola já sabendo ler e escrever, com quatro anos. Desde então, passe por várias unidades escolares (cinco, na verdade) e neste processo estive com mais professores do que consigo lembrar. Mas hoje carrego comigo muito do que eles me ensinaram, não apenas sobre números e letras, mas sobre a vida.

Não contente com esses 13 anos dentro de instituições de ensino, fui para a faculdade e cursei Pedagogia. Fiquei apenas um ano no curso, eu detestava aquilo. No entanto o destino é um garotinho muito travesso que só me possibilitou sair da faculdade ao começar a trabalhar... em uma escola. Ou seja, por mais que eu tentasse escapar das amarras educacionais, isso não pareceu ser possível. Tenho 20 anos e há 16 estou em contato direto com elas. E agora vou ser muito sincera nas minhas palavras: tenho medo de professores.

Já estive ao lado de verdadeiros mestres educacionais, parte das melhores pessoas que já conheci são professores, muito do que aprendi sobre o mundo foi com esses seres incríveis, já compartilhei momentos mais do que especiais, ultrapassei a barreira de professor-aluno e chorei no ombro dessas pessoas... Também nunca esqueci algumas de suas falas, entre elas a da Professora Iara, que me deu aula na faculdade: “Em uma sala de aula, você pode matar a alma de um aluno”.

Ao ouvir essas palavras, foi quando realmente decidi que precisava sair daquele curso. Eu já não queria aquilo para mim, mas sua fala colocou um ponto de exclamação em minha decisão. Eu não queria matar almas, jamais desejei essa responsabilidade. Admiro quem a tem e realmente age de acordo, mas para mim isso não era uma opção. Professora Iara jamais imaginará isso, mas naquele dia ela atingiu a minha alma. Não a matou, mas a marcou. Saí do curso, anos se passaram e a frase continua rodando minha cabeça, impossível de esquecer.

E talvez seja por isso que toda vez que vejo um professor disseminando ódio, preconceito, violência, machismo etc. eu consigo enxergar as palavras da professora Iara piscando em neon na minha cabeça, me alertando para a provável morte de mais algumas almas. Isso me causa medo, palpitação, desconforto, olhos marejados e quase apaga aquele meu sonho de um futuro melhor.

Vejam bem, não são todos os professores que fazem isso. Boa parte é gentil, consciente e amiga. O meu medo é daqueles que, ao entrar em uma sala de aula com mais de trinta pessoas em fase de desenvolvimento, arrasta consigo uma visão gélida e descontente do mundo. Aquele que, em vez de explicar que não se deve descriminar o outro, leva um vídeo onde um jovem é agredido simplesmente por estar de mãos dadas com outro. Ou então aquele onde pessoas brancas estão insultando os negros.

Ainda que hoje o professor não seja mais um dos profissionais mais valorizados pela sociedade, seu valor é inigualável. Sua postura está constantemente sendo observada por seus alunos. Nos dias de hoje, professor e aluno não se falam apenas na escola. Seus livros publicados, seus comentários ou postagens em redes sociais... Tudo está sendo observado. E muitos deles seguem seu exemplo.

Ao trabalhar com adolescentes, escutei vários “Ah, vou falar igual o professor X!”, “Vi o comentário do professor Y naquele post e nunca tinha pensado daquela forma, mas tem lógica”, “Quando eu crescer, vou ser igual o professor K” ou então “Se o professor Z faz, está certo!”. Em algumas vezes eu sorri, em outras quis chorar. Essas crianças/adolescentes ainda estão buscando referencias, procurando exemplos...

Mãe, pai, irmão, tio, vizinho, youtuber, professor... Todos são possíveis mestres para eles. E sei que por isso todos devemos agir com coerência e humanidade. Eu só penso mais no professor por seu contato constante com todos os jovens. Todos os dias essa mesma pessoa entra em várias salas de aula com mais de trinta pessoas ansiosas por novos modelos a serem seguidos.

E com isso não quero dizer que ele não deve se expressar e expor sua opinião, e sim que ele pode fazer tudo isso, contanto que não a pregue como verdade absoluta. É possível amar/seguir a visão de mundo A e ao mesmo tempo explicar que também existem as versões B, C, D, E, F, G e H, sem denegrir qualquer uma delas. Outra coisa que aprendi naquele ano da faculdade foi isso, que o professor é o responsável por expor as opções. O aluno vai escolher a que mais lhe agrada. Não existe somente o preto no branco e sim um arco-íris de alternativas. Seu aluno vai ser mais feliz e esclarecido quando conseguir enxergar todas elas.

Então enquanto muitos têm medo do Bolsonaro, Eduardo Cunha ou outros políticos nada interessados na evolução social que estamos vivendo nos dias de hoje, eu quase entro em pânico ao pensar nos professores. Eles não estão na TV, eles não falam nas rádios e não estampam capas de revistas. Fazem seu trabalho escondidos, no escuro, de forma discreta e sem chamar a atenção da grande massa. Eis aqui o grande perigo.

Hoje nós sabemos alguns dos planos irracionais e desrespeitosos traçados por Bolsonaro, e podemos até nos mobilizar contra eles. Mas quem sabe o que o professor Antonio está fazendo? Ou então a professora Julia? Eu não sei e você também não. E quando esses professores terminarem o serviço deles, pode ser tarde demais. Eles já podem ter ensinado que mulher precisa ter dono, que negros não merecem respeito, que o homossexualismo é uma doença, que a violência é sempre a melhor resposta... Ou qualquer outra atrocidade social. Então teremos mais pessoas disseminando ignorância e preconceito por aí.

Foi lindo quando eu presenciei professores falando, sem julgamentos, de lutas feministas, raciais e religiosas. Só que foi terrível quando outros expuseram fotos de mães solteiras e a culparam por não se cuidarem quando mais novas. Por isso hoje deixei meu medo de lado e vim aqui como ex-aluna, companheira de trabalho e, principalmente, como uma pessoa que anseia por um mundo melhor e reconhece que os professores são essenciais para isso, deixar registrado meu desejo de um dia poder falar “Os professores podiam, mas não mataram essas almas.”